O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou nesta quinta-feira (28) que o crime organizado no Brasil passou a atuar de forma crescente na economia formal, utilizando estruturas empresariais e mecanismos legais para ampliar lucros, lavar dinheiro e expandir sua influência em setores estratégicos, como combustíveis e sistema financeiro.
A declaração foi feita em coletiva de imprensa para detalhar a Operação Carbono Oculto, considerada a maior já realizada contra a infiltração de facções criminosas em atividades legais. A ofensiva mobiliza 1.400 agentes públicos em dez estados e mira mais de 350 alvos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
Estrutura financeira paralela
As investigações indicam que o PCC criou uma rede de empresas e fundos de investimento para movimentar recursos ilícitos, blindar patrimônio e fraudar o fisco. Entre os mecanismos identificados estão:
- Controle de cerca de 40 fundos de investimento, com patrimônio estimado em R$ 30 bilhões;
- Uso de fintechs e instituições de pagamento que funcionavam como bancos paralelos, movimentando R$ 46 bilhões sem rastreamento;
- Financiamento de usinas de álcool, terminais portuários e frotas de transporte;
- Aquisição de imóveis, incluindo fazendas e residências de alto padrão;
- Importação irregular de combustíveis, resultando em fraudes fiscais de R$ 7,6 bilhões.
Segundo a Receita, mais de 1.000 postos de combustíveis teriam sido utilizados para lavagem de dinheiro, com movimentações de R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024. Em muitos casos, as empresas registravam vendas fictícias, prática que permitia justificar repasses a distribuidoras controladas pela facção.
Operações Quasar e Tank
Paralelamente, a Polícia Federal deflagrou as operações Quasar e Tank, que complementam a Carbono Oculto.
Na Quasar, agentes apuram o uso de fundos de investimento em São Paulo e Campinas para ocultar patrimônio. A Justiça autorizou bloqueio de bens de até R$ 1,2 bilhão.
Já a operação Tank desarticulou no Paraná uma rede de lavagem de dinheiro que teria movimentado R$ 23 bilhões desde 2019. Esse núcleo, considerado um dos mais expressivos, usava postos, holdings e fintechs para escoar recursos ilícitos, dos quais pelo menos R$ 600 milhões foram identificados em lavagem direta. A PF também apontou adulteração de combustíveis e a chamada “bomba baixa”, quando o volume abastecido é menor do que o registrado na bomba.
Ou seja, os R$ 23 bilhões não representam o total do esquema, mas sim um dos núcleos descobertos. No conjunto, os valores identificados pela Receita e pela PF ultrapassam dezenas de bilhões de reais, quando consideradas as movimentações de fundos, fintechs e postos em todo o país.
Empresas sob investigação
Entre os alvos estão distribuidoras de combustíveis, fintechs, usinas e gestoras financeiras. A Reag Investimentos, presidida por Dario Tanure, confirmou que sofreu busca e apreensão em suas sedes em São Paulo e declarou estar colaborando com as autoridades. A companhia é uma das maiores gestoras independentes do país, com quase R$ 300 bilhões sob gestão.
As ações da empresa (REAG3) chegaram a despencar 17% na Bolsa após a deflagração da operação. Já papéis de distribuidoras como Raízen, Ultrapar e Vibra registraram alta, em meio à expectativa de redução da informalidade no setor de combustíveis.
Reação do governo
Lewandowski destacou que a resposta ao crime não pode se restringir à repressão policial, mas deve incluir integração entre órgãos fiscais, reguladores e instituições financeiras. “Há muito tempo acompanhamos a migração da criminalidade da ilegalidade para a legalidade. Essa realidade exige inteligência, integração e institucionalização da resposta do Estado”, afirmou.
O ministro defendeu ainda a aprovação da PEC da Segurança, que prevê cooperação permanente entre forças policiais e órgãos de fiscalização. “Precisamos transformar operações como esta em rotina do Estado brasileiro”, disse.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também participou da coletiva ao lado do diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, e da subsecretária da Receita, Andrea Costa Chaves. O governo prometeu ampliar a coordenação entre União e estados para sufocar financeiramente organizações criminosas.