A decisão dos Estados Unidos de elevar para 50% as tarifas de importação sobre produtos brasileiros, com vigência a partir de 1º de agosto, acendeu o sinal de alerta na indústria nacional. A medida, anunciada pelo presidente Donald Trump, pode afetar diretamente cerca de 10 mil empresas exportadoras, comprometer milhares de postos de trabalho e abalar as relações comerciais entre os dois países.
A nova tarifa foi justificada por Trump como uma resposta à suposta adoção de práticas comerciais “desleais” por parte do Brasil e ao que classificou como tratamento inadequado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, seu aliado político. A medida, no entanto, foi recebida com surpresa e preocupação por representantes do setor produtivo brasileiro e por autoridades do governo federal.
Setor industrial vê risco à competitividade
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) avaliou a elevação tarifária como desproporcional e sem base econômica concreta. “Não existe qualquer fato econômico que justifique uma medida dessa magnitude. Os impactos podem ser profundos, especialmente devido à integração entre as cadeias produtivas do Brasil e dos Estados Unidos”, afirmou Ricardo Alban, presidente da entidade.
De acordo com a CNI, para cada R$ 1 bilhão exportado aos EUA em 2024, foram gerados 24,3 mil empregos, R$ 531,8 milhões em massa salarial e R$ 3,2 bilhões em valor de produção. Estimativas preliminares indicam que um terço das empresas brasileiras que exportam para os Estados Unidos já registram impactos negativos, mesmo sob a tarifa básica anterior de 10%.
A indústria de transformação — principal responsável pelas exportações brasileiras para os EUA — alcançou US$ 181,9 bilhões em 2024, um aumento de 2,7% em relação ao ano anterior, puxado sobretudo pelo crescimento de 11% nas vendas de bens de consumo não duráveis e semiduráveis.
Resposta do governo reafirma soberania brasileira
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu à medida com uma nota oficial publicada no dia do anúncio. No comunicado, o chefe do Executivo reafirmou a soberania nacional e defendeu a independência das instituições brasileiras, especialmente no contexto dos processos judiciais relacionados aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Lula também contestou a alegação de déficit comercial dos EUA em relação ao Brasil, destacando que os dados apontam para um superávit norte-americano nas trocas bilaterais. Segundo o presidente, a relação entre os países deve estar ancorada no respeito mútuo, na cooperação econômica e na estabilidade institucional.
Diplomacia é apontada como único caminho viável
Tanto a CNI quanto especialistas em relações internacionais defendem que a saída mais eficaz para o impasse é a negociação diplomática. Para o advogado Fernando Canutto, especialista em Direito Internacional e membro do escritório Godke Advogados, a resposta precisa ser estratégica e focada na preservação dos interesses comerciais brasileiros.
“Apesar da perda relativa de hegemonia nas últimas décadas, os Estados Unidos continuam sendo uma potência econômica central, com grande influência sobre o comércio e o sistema financeiro global. Por isso, o diálogo diplomático é o único caminho possível”, afirmou Canutto.
A CNI também reforçou essa posição, destacando a necessidade de manter o equilíbrio institucional e o diálogo técnico. “Que a racionalidade prevaleça, com a parcimônia e a determinação necessária para defender os interesses nacionais”, concluiu Alban.
Riscos e desdobramentos
Especialistas alertam que a permanência da nova tarifa pode gerar efeitos em cadeia, reduzindo a competitividade da indústria brasileira no mercado norte-americano e afetando investimentos conjuntos em setores estratégicos. A depender da evolução do cenário diplomático, há risco de escalada nas tensões comerciais e impacto direto na balança comercial de 2025.
Além disso, o endurecimento da política tarifária dos EUA pode influenciar decisões de empresas multinacionais sobre alocação de recursos, logística de exportação e transferência de plantas industriais, o que afetaria não apenas o Brasil, mas também parceiros latino-americanos integrados à cadeia de fornecimento.
Cenário exige ação rápida e técnica
Com pouco mais de duas semanas até a entrada em vigor da nova tarifa, o governo brasileiro e as entidades do setor produtivo intensificam articulações para reverter a medida. Embora não se descarte recorrer a fóruns multilaterais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), a prioridade no momento é buscar uma solução direta com o governo dos Estados Unidos, por meio dos canais diplomáticos formais.